O QUINTANISTA ? "Para refletir..."
(Prof. Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho)
Certa feita, lembro-me como se fosse ontem, um aluno
quintanista, prestes a graduar-se em Direito, abordou-me no corredor da
Universidade, aos prantos:
- O que foi!? ? perguntei-lhe.
- Por favor, professor. Releve sua decisão e deixe-me fazer
uma segunda chamada. Estou terminando o curso e só reprovarei na sua
disciplina. Eu preciso muito me formar!
- Primeiramente, acalme-se ? disse-lhe. ? Não sou eu quem
lhe reprovou. A decisão foi sua, não minha! Logo, não há o que ser relevado. Eu
apenas homologuei sua decisão. Você optou pela reprovação quando decidiu não
comparecer na data da prova. "O direito não socorre quem dorme", meu
amigo.
- Eu reconheço minha falha, professor. Mas não tive escolha.
Acredite! Por favor, me dê uma "segunda chance".
Confesso que já estava nos meus planos conceder-lhe uma
"segunda chance", porém valorizei a questão:
- Ok... Você fará a "segunda chamada". Entretanto,
fará duas provas: uma objetiva e outra subjetiva. Em ambas deverá alcançar o
escore mínimo de oito pontos. Não obtido o mínimo necessário em ambas as
avaliações, estará reprovado por nota.
E assim terminou a conversa. Afastei-me rapidamente do
local, sem nem mesmo declinar os pontos que seriam cobrados em ambas as provas.
Uma semana após, no primeiro horário noturno, conforme
agendado em edital, procurou-me o referido graduando, com um gigante sorriso à
face.
- Estou preparado, professor. E ansioso para começar! ?
disse-me apanhando as duas avaliações. Suas mãos tremiam...
Sem demoras, determinei que desse início à resolução.
Quase próximo ao intervalo, o estudante entregou-me as
avaliações. Prometi que no dia seguinte já postaria os escores via sistema. Ele
agradeceu novamente e dirigiu-se à sua sala de origem, confiante.
Resultado:
PROVA SUBJETIVA ? 8,9.
PROVA OBJETIVA ? 7,0.
"Reprovado", pensei.
Horas após a divulgação, o estudante procurou-me. Sentou-se
à minha frente, e com a face suada e rosada, disse-me:
- Entenda como for, professor. Mas eu insisto: não me
reprove. Acredite, eu estudei... Renuncei a tudo, na medida do possível:
família, amigos, lazer etc. Foram poucos tropeços na minha graduação, e o
senhor tem ciência disso. Eu prometo que serei um profissional esforçado,
trabalhador, e que ainda irá se orgulhar de mim. Se conhecesse minha história,
me encararia com "outros olhos", professor.
Percebi que as lágrimas escorriam pela sua face (dias antes
soube por um dos professores que o aluno passava por um tratamento médico para
combater uma depressão crônica).
Ele continuou:
- Meus filhos sentem um orgulho tamanho do pai e o término
do curso será uma vitória para todos na família. Caso me aprove, não haverá
motivo para arrependimento. Enfrentei o "caminho das pedras", como o
senhor alertou, e saberei valorizar cada ensinamento que me foi passado nesta
instituição.
Caro leitor, abreviando o assunto, após um longo desabafo,
comuniquei ao aluno minha decisão:
- Antônio (nome fictício), você está aprovado (embora não
tivesse alcançado o mínimo necessário (8,0) em uma das avaliações).
Na verdade, caro ledor, não competia a mim criar aquele
parâmetro para a sua aprovação. Fiz a proposta apenas visando a valorizar sua
conquista, pois sabia que, de acordo com as normativas internas, a referida
exigência não tinha razão de ser (não tinha nexo).
Dois anos após. Também lembro como se fosse ontem. Um amigo,
que há tempo não o via, ligou-me para "trocarmos uma idéia". Ele
convidou-me para um coquetel em seu escritório. Salientou-me que era um grupo
jurídico forte, um "mega escritório", e fazia questão da minha
presença no evento de inauguração.
Sem titubear, aceitei o convite.
No dia seguinte, lá estava eu e mais tantas outras pessoas
na festa de inauguração do "mega escritório".
Por volta das 22:00 horas, o Presidente do Grupo pede a palavra,
bate com a faca em uma taça de vinho, clama por silêncio, e logo inicia o
extenso discurso (a mesma história de sempre...). Em seguida, pede aplausos ao
Vice-Presidente do Grupo, seu colega, que logo é abraçado por familiares e
amigos (todos "pessoas muito simples"). Em seguida, ressalta:
- De estagiário a Vice-Presidente. É importante valorizar o
esforço de cada um, principalmente em se tratando de uma pessoa como o Antônio.
Caríssimo leitor, era ele mesmo, o "Antônio" ? o
aluno "quintanista".
Após abraçar seus familiares e cumprimentar a todos, ele,
Antônio, discursou, olhando fixamente em minha direção:
- Em primeiro lugar eu agradeço a Deus. Em segundo lugar,
aos meus filhos, que certamente estão tão espantados quanto eu. À minha esposa,
que Deus a tenha. E por último, a todos que acreditaram no meu potencial,
concedendo-me uma nova chance após tantas tentativas frustradas.
No final da festa, nos despedimos. Antônio convidou-me para
participar do corpo de advogados, no entanto, me considerei inapto para a
tarefa (afinal de contas, uma "segunda chance" é para poucos).
Hoje vejo Antônio destacando-se por aí, cada vez mais - sem
jamais perder a humildade e a vontade de vencer.E fico me perguntando:
"onde eu estava com cabeça?".
Certamente "no lugar", diria você. Pois eu digo
melhor: "nos olhos de Antônio".
Lembro-me de suas palavras quando soube de sua
"reprovação" no último ano de graduação: "Se conhecesse minha
história, me encararia com "outros olhos, professor".
Pois é... E por já conhecer a sua história, eu o encarei
"com outros olhos", e não o reprovei (embora, de fato, não houvesse
real motivo para tanto).
É isso... Termino com as palavras da falecida escritora
francesa Marguerite Yourcenar: "Creio que quase sempre é preciso um golpe
de loucura para se construir um destino".
O sucesso se constrói em silêncio ? nos bastidores do palco
da vida.
Espero ter contribuído, de fato, com a construção de um
destino. Loucura ou não, o fato é que o destino é uma questão de opção. Ele
"baralha as cartas, mas nós somos os que jogamos" (Shakepeare), de
acordo com nossas escolhas no processo da vida.
Pague o preço do seu sonho.Ouse e seja o autor de sua
própria história ?não um mero personagem.Trabalhe nos bastidores,usando sua
graduação como um trampolim ao sucesso profissional.
Haverá um tempo que o passado ecoará e a brisa errante trará
de volta lembranças de um tempo remoto ? que estará sempre presente. Cada vez
que sentir saudades, haverá um sorriso, uma lágrima talvez. E a completa
certeza de que nada foi em vão, principalmente na sua GRADUAÇÃO.
É isso...
www.professortesseroli.com.br
http://proftesseroli.blogspot.com/
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Regras do site:
Não serão aceitos comentários que:
1. Sejam agressivos ou ofensivos, mesmo que de um comentarista para outro; ou contenham palavrões, insultos;
2. Não tenham relação com a nota publicada pelo Site.
Atenção: só serão disponibilizados no site os comentários que respeitarem as regras acima expostas.
3.Aviso: Os comentários são de responsabilidade dos autores e não representam a opinião do Blog Paulo José.
É LEI NO BRASIL – Todo jornalista tem o direito constitucional de revelar denúncias recebidas de fontes anônimas e manter o sigilo sobre elas.