Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera –
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
(Versos Íntimos)
PRÉ MODERNISMO
O período conhecido como pré-modernismo compreende o início
do século XX. Seus marcos cronológicos são os anos de 1902 (publicação dos
livros Canaã, de Graça Aranha, e Os sertões, de Euclides da Cunha) e 1922
(Semana de Arte Moderna em São Paulo). Outra denominação possível para esse
período é a de Belle Époque, que também vigora no estabelecimento da cronologia
artística dos movimentos europeus.
A Belle Époque se caracteriza pela apologia da modernidade e
do desenvolvimento tecnológico, que toma conta de países irradiadores de
cultura como França e Inglaterra. No entanto, há outra vertente dessa
tendência, marcada pela morbidez e pela decadência. É nela que se pode incluir
o poeta Augusto dos Anjos.
O entusiasmo pelas ciências, que se manifesta na face mais
otimista da Belle Époque, está também presente em Augusto dos Anjos. O
cientista alemão Ernst Haeckel (1834-1919) escreveu, em seu livro Os enigmas do
Universo: “Em cada musgo ou em cada vergôntea d’erva, num besouro ou numa
borboleta, um exame minucioso nos fará descobrir belezas diante das quais,
ordinariamente, o homem passa sem fazer caso”. Em seus versos, Augusto dos
Anjos demonstra a mesma atenção pelo imperceptível, pelo microscópico e pelo
orgânico.
No entanto, versos como os de “Monólogo de uma sombra” –
“Ah! Dentro de toda a alma existe a prova / De que a dor como um dartro se
renova, / Quando o prazer barbaramente a ataca...” – sugerem uma visão
melancólica da existência, o que nos permite aproximar o poeta da obra de outro
alemão, Arthur Schopenhauer (1788-1860), o filósofo do pessimismo. Assim,
Augusto dos Anjos se manteve distante da visão empolgada e elogiosa manifestada
por muitos de seus contemporâneos.
Inseri-lo na linhagem da literatura brasileira também não é
tarefa fácil. Isso porque o escritor soube se manter distante de todas as
escolas literárias, embora sustentando com todas elas um diálogo respeitoso. Do
realismo, preserva alguma porção da crítica social e muito da análise da
miséria humana; do naturalismo, a linguagem cientificista, que o conduz a uma
crueza expressiva sem precedentes; do simbolismo, a exploração da musicalidade;
do parnasianismo, o rigor técnico de sua métrica impecável e de suas rimas
raras. Tudo isso convivendo com a disposição para tratar de temas considerados
então indignos de figurar em matéria poética, feito comparável ao dos
modernistas, e de figurá-los com imagens grotescas, o que seria bastante
explorado pelos expressionistas.
CONTEXTO
Sobre o autor
Augusto dos Anjos é tradicionalmente inserido no período
literário que se convencionou chamar de pré-modernismo. Dentre os autores
incluídos sob essa denominação, temos Euclides da Cunha, Lima Barreto e
Monteiro Lobato. Augusto dos Anjos destoa de todos eles em muitos aspectos,
aproximando-se dos simbolistas, dos expressionistas e dos impressionistas.
Período histórico
Augusto dos Anjos representa em sua poesia a síntese da
herança cientificista da literatura do século XIX e a preparação para o
espírito modernista que marcaria as primeiras décadas do XX. Colocado entre
dois universos distintos, soube estabelecer comunicações inusitadas entre eles.
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