Não é de hoje que a jurista Eliana Calmon, de 72 anos,
polemiza com seus pares da magistratura. Em 2011, quando ocupava o cargo de
corregedora nacional de Justiça, ela afirmou que “bandidos de toga” estavam
infiltrados no Judiciário.
A declaração a colocou em rota de colisão com
associações de juízes e magistrados, e posteriormente ela disse ter sido mal
interpretada: "Eu sei que é uma minoria. A grande maioria da magistratura
brasileira é de juiz correto". Seis anos depois, com o país mergulhado no
escândalo de corrupção da Petrobras, que mobiliza juízes de diversas instâncias
com processos da Operação Lava Jato, Calmon volta à carga, e afirma que é
preciso apurar a responsabilidade do Judiciário no caso.
Baiana de Salvador – terra natal da empreiteira Odebrecht,
bastante criticada pela jurista-, ela foi a primeira mulher a ocupar o cargo de
ministra do Superior Tribunal de Justiça. Em 2014, filiada ao PSB, tentou sem
sucesso uma vaga no Senado Federal, e posteriormente anunciou apoio ao
candidato tucano Aécio Neves, que disputou e perdeu a presidência naquele ano.
Veja a entrevista concedida por Calmon ao EL PAÍS por telefone.
Pergunta. Como você avalia a Lava Jato até o momento?
Resposta. A Lava Jato foi um divisor de águas para o país. A
partir dela vieram à tona as entranhas do poder brasileiro, e sua relação com a
corrupção em todos os níveis de Governo. Mas para que tudo isso fique muito claro,
seja passado a limpo de fato, precisa se estender para todos os poderes. Muitos
fatos envolvendo o Executivo e o Legislativo vieram à tona, mas o Judiciário
ficou na sombra, é o único poder que se safou até agora.
P. Você acha que membros do Judiciário também tiveram um
papel no escândalo de corrupção?
Resposta. O que eu acho é o seguinte: a Odebrecht passou mais de 30
anos ganhando praticamente todas as licitações que disputou. Enfrentou diversas
empresas concorrentes, muitas com uma expertise semelhante, e derrotou todas.
Será que no Judiciário ninguém viu nada? Nenhuma licitação equivocada, um
contrato mal feito, que ludibriasse e lesasse a nação? Ninguém viu nada? Por
isso eu digo que algo está faltando chegar até este poder. Refiro-me ao
Judiciário como um todo, nas três instâncias. Na minha terra, na Bahia, todo
mundo sabia que ninguém ganhava nenhuma causa contra a Odebrecht nos tribunais.
O que eu questiono é que em todas estas décadas em que a empreiteira atuou como
organização criminosa nenhum juiz ou desembargador parece ter visto nada... E
até agora nenhum delator mencionou magistrados.
P. Mas não existe um corporativismo no Judiciário que
dificultaria processos contra os magistrados?
R. Os juízes exercem atividade jurisdicional para serem
isentos. Ponto. É o seguinte: o juiz de primeiro grau é processado perante o
próprio tribunal. O de segundo grau é processado pelo Superior Tribunal de
Justiça, e os ministros pela Suprema Corte.
P. Como vê a indicação do senador Edison Lobão (PMDB-PA),
investigado pela Lava Jato, para a presidência da Comissão de Constituição e
Justiça do Senado?
R. Um presidente que está com seu ibope tão baixo quanto
está o Michel Temer deveria ser mais cauteloso. Do ponto de vista jurídico nada
impede que ele articulasse com a bancada do PMDB no Senado para colocar o Lobão
na presidência. Mas em razão do envolvimento dele no processo da Lava Jato
melhor seria que ele ficasse de fora. Por outro lado, a decisão era da bancada
do partido, que é majoritária, então isso é normal. Se não fosse o Lobão ia
botar quem? Está todo mundo comprometido. Você fecha o olho e pega um
parlamentar... Pegou um corrupto! Pegou outro, corrupto!
P. O que achou da indicação do ministro da Justiça
licenciado, Alexandre de Moraes, para a vaga de Teori Zavascki no Supremo
Tribunal Federal?
R. Eu gostei da indicação. Aí todo mundo me pergunta “ah,
mas o Moraes é político!”. Olha, eu gostei porque conheço ele e conheço os
outros que foram cotados para assumir a vaga... E aí você conclui o que quiser.
Esta história dele ser político, ora, eu conhecia os outros candidatos e não
tinha ninguém bobo. Todos no STF têm inclinações políticas. Não é por amizade
que apoio o nome dele. O que acontece é que ele é jovem e muito talentoso, tem
livros maravilhosos sobre direito. É brilhante como intelectual e como
militante na advocacia. Agora, se ele vai vender a alma ao diabo ou não, aí
temos que ver...
P. Enquanto os processos da Lava Jato na primeira instância
avançam com rapidez, no STF o ritmo é diferente. O que provoca essa lentidão na
Corte Suprema?
R. O processamento das ações nos tribunais anda a passos de
cágado. Não é só o Teori Zavascki ou o Edson Fachin [ex-relator e atual relator
da Lava Jato no STF] que são responsáveis por isso. A tramitação do processo é
muito lenta, e é óbvio que aqueles que detêm foro especial não têm interesse em
fazer com que o processo, com que essas ações penais andem rápido. A legislação
é cruel, há uma dificuldade de fazer andar esses processos. Veja na primeira
instância, por exemplo: o Sérgio Moro recebe uma denúncia, e ele faz um juízo
de valor, acolhendo ou não. Se acolheu, o denunciado já se torna réu. Agora no
foro especial, quando o relator recebe a denúncia, ele nem inicia a ação penal.
Ele abre uma intimação para que o indiciado na denúncia venha se defender. Só
depois dessa defesa é que ele leva para a corte. Isso estende muito o processo,
é muito demorado. E só depois disso começa o processamento.O processamento das ações nos tribunais anda a passos de
cágado
P. Temer foi muito criticado por ter nomeado Moreira Franco,
citado dezenas de vezes na Lava Jato, para um ministério. Acha correta a
nomeação?
R. Eu acho que se o Ministério Público com base em fatos
incontroversos faz uma reclamação formal contra um ministro, eu entendo que não
deveria ser nomeado. Ele [Temer] deu aquela desculpa meio esfarrapada [que
afastaria quem fosse denunciado] mas a nação teve que engolir. No final de
contas é a mesma situação que ocorreu com o Lula, mas dessa vez em decisão
monocrática o ministro Celso de Mello avaliou que ele poderia tomar posse.
P. O juiz Sérgio Moro tem sido muito criticado desde o
início da Lava Jato pelo que alguns consideram como sendo um abuso nas prisões
preventivas. Como você vê essa questão?
R. O Moro é muito dinâmico, conhece muito este processo
específico, uma vez que ele acompanha o caso e seus desdobramentos desde o
início. Isso dá celeridade ao processo, e acho que isso é algo que deve ser
aplaudido. Quanto às críticas envolvendo prisões preventivas, a culpa é do STF
que não julga os pedidos de liberdade feitos pela defesa. Em última instância,
os pedidos de habeas corpus cabem ao Supremo.
Fonte/EL PAIS
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