Por Mario
Sabino
Há uma
passagem na biografia de Winston Churchill escrita por Lord Roy Jenkins que não
me sai da cabeça. Ao visitar um distrito pobre, o ainda jovem Churchill
perguntou a um assessor: “Você imagina o que é passar uma vida inteira sem ter
uma conversa inteligente?”. Estava falando da falta de oportunidade de
desenvolvimento intelectual e estético dos habitantes daquele lugar que lhe
parecia especialmente precário.
A passagem
não me sai da cabeça porque a inteligência, produto sempre escasso na história,
vem-se tornando cada vez mais rara desde que as diversões idiotas tomaram o
lugar da cultura e o esquerdismo ocupou os currículos escolares. Vale tanto
para pobres como para ricos.
Não há nada
de errado em gostar de diversões idiotas. Eu, por exemplo, gosto muito de
assistir a Game of Thrones. Já de novelas, eu tenho verdadeira alergia. Acho
que elas empipocam o cérebro. Na escala da idiotice, as novelas atingem o grau
máximo, juntamente com as obras de Lênin.
Não há nada
de original em falar mal de novelas, mas talvez ainda haja alguma originalidade
em falar mal de todo o resto que se produz no Brasil na área cultural. De modo
geral, a televisão, o cinema, o teatro, a pintura, a escultura, a literatura, a
música e a arquitetura brasileiras são de uma ruindade assombrosa.
Você, Mario,
que escreveu quatro livros, também faz parte desse panorama desolador? Pode
registrar aí: eu faço. Meus quatro livros são uma porcaria. Eu posso dizer
porque os li. Sou tão ruim quanto Chico Buarque, que desancou o meu primeiro
romance, anos depois de eu despedaçar um dos que ele escreveu (não me lembro o
título). Se eu voltar à ficção, será apenas para provar mais uma vez que sou
mau escritor e propiciar aos meus inimigos outros ataques a mim, mesmo que
jamais tenham tido o desprazer de me ler (parafraseando João Cabral de Melo
Neto, gosto de cultivar os meus inimigos como quem cultiva um deserto).
A cultura
serve principalmente para termos conversas inteligentes. Conversas sobre se o
mal pode conter o bem (a série Sopranos e Santo Agostinho), como transformar o
particular em universal (Philip Roth e a Torre Eiffel), se o amor é destino ou
construção (Woody Allen e Dante Alighieri) e por aí vai.
Conversas
inteligentes não têm nada de aborrecidas, inclusive porque não costumam tomar
mais do que dois por cento da nossa existência. No resto do tempo, voltamos
forçosamente a exercer a nossa futilidade natural, preocupados que somos com os
apetites rasteiros.
A cultura tem
o papel de nos elevar um pouquinho, por curto espaço de tempo, da nossa própria
mesquinhez. É como vitamina C. Você não precisa de muita por dia. Mas o mundo
está carente dessa vitamina e, no Brasil, a falta é completa. A nossa produção
cultural só contém carboidratos, glúten e lactose.
Sim,
Churchill, dá para imaginar o que é passar uma vida inteira sem ter uma
conversa inteligente.
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