A morte
(ainda envolta em mistério) de Fernando Dutra Pinto, sequestrador de Patrícia
Abravanel, trouxe à tona uma das tantas palavrinhas cuja prosódia é tormentosa.
Afinal, o exame no cadáver é "necrópsia" ou "necropsia"? Ou
é "autópsia"? Ou será "autopsia"? Nas últimas semanas,
recebi muitas perguntas de leitores a respeito disso.As pessoas querem
respostas que, muitas vezes, não há, ou, quando as há, não convencem. Não custa
tentar, no entanto. Sabe qual é o primeiro sentido que os dicionários dão para
"autópsia"? O óbvio: "Exame de si mesmo"
("Aurélio"); "Exame, inspeção de si próprio"
("Houaiss").Por que "óbvio"? Porque o elemento grego
"auto" significa "por si próprio", "de si mesmo";
"-opsia", também grego, tem, entre outros, o significado de
"exame visual". Como se vê, em termos literais a autópsia é o exame
que alguém faz em si mesmo.No verbete "autópsia", a segunda definição
do "Aurélio" é "necropsia", precedida destas abreviaturas:
"Med. Imp."
Tradução:
segundo o "Aurélio", trata-se de termo médico, usado impropriamente.
Apesar de impróprio, o termo "autópsia" está consagrado pelo uso,
fator importante quando se trata de língua.Bem, e por que é impróprio? Porque,
como os mortos não se examinam, o termo próprio é "necr...". É
"necropsia", sem acento, de acordo com o "Aurélio", o
"Houaiss" e o "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa",
da Academia Brasileira de Letras. Vamos
repetir: "necropsia", que se lê "necropsía". Isso mesmo:
lê-se o grupo final como se lê o de "Maria", "tardia",
"alergia" etc.
E a forma
"necrópsia", ouvidíssima diariamente? Que dizem dela os dicionários?
Vejamos antes uma "prima": "biopsia" (ou será
"biópsia"?). O "Houaiss", o "Aurélio" e o
"Vocabulário" registram as duas. Em "biopsia", o
"Aurélio" diz que "a pronúncia corrente é biópsia". O
"Houaiss" diz que "biopsia" é mais correta e menos usada do
que "biópsia".
No verbete em
que explica os valores do elemento pospositivo "-ópsia", o
"Houaiss" diz que a origem grega preconiza a tonicidade no
"i", "mas, uma vez formada autópsia", esta serviu de base
para variação, nem sempre regular, entre "-ópsia" e
"-opsia".
Em seguida, vêm
alguns exemplos, entre eles "necrópsia". Sim, "necrópsia"
(com acento), forma que, nessa monumental (repito: monumental) obra, também
aparece neste trecho do verbete "biópsia": "Constituída no
modelo de necrópsia e de autópsia, a palavra segue no português o padrão fônico
das outras duas, com reflexo na grafia, daí biópsia".Até aí, tudo bem,
mas, se você voltar ao sexto parágrafo deste texto, verá que o
"Houaiss" não registra o verbete "necrópsia"; só registra
"necropsia".O querido amigo Mauro Villar, lexicógrafo responsável
pelo grandioso "Houaiss", sempre me pede que anote os problemas que
encontrar no dicionário. Homem maduro e livre de afetações típicas de falsos
intelectuais, Villar sabe que não existe livro perfeito.
Lá vai mais
uma modesta contribuição, caro Villar. E, se me permite, sugiro que incorpore o
verbete "necrópsia", com as mesmas observações que há em
"biopsia" e "biópsia". É isso.
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